João Vinhas Ferreira João Vinhas Ferreira

A mente, a vida e a política.

A apatia política que nos envolve é como uma pandemia silenciosa que nos impede de agir em prol de um futuro melhor. O que fazer então?

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Os cidadãos vivem hoje um período conturbado no que à sua vida política diz respeito. Vivemos em conflito com a máxima aristotélica da qual não podemos escapar — o homem é por natureza um animal político — porque vivemos em comunidade, porque teimamos em distinguir o certo do errado, o justo do injusto, num mundo que busca mais que nunca uma isenção que verdadeiramente não existe.

Veja-se só: é um facto que hoje a concentração de riqueza nas mãos de alguns é uma das maiores que alguma vez existiu na história. No entanto, não se poderá dizer que vivemos no mundo onde a pobreza prolifera como em tempos antes do 25 de Abril ou na Grande Depressão. O mesmo pode dizer-se sobre o conflito armado; vivemos num dos períodos históricos mais pacíficos desde que há registo, e, no entanto, a crueldade da guerra paira sobre as nossas cabeças, mesmo no mundo ocidental. Usando a expressão bem portuguesa: vai-se andando.

Que fazer então sobre este mundo, em que tudo está assim-assim, nem muito ricos nem muito pobres, nem muito amigos nem muito inimigos, nem muito felizes nem terrivelmente descontentes? A realidade torna-nos cada vez mais dormentes, e talvez por necessidade biológica cada vez mais focada no que a nós como indivíduos diz respeito: o nosso bem-estar, as nossas oportunidades, os nossos afazeres em detrimento das nossas necessidades colectivas. Ouve-se muito dizer por esta altura que não há nada a fazer, o mundo é assim, e ninguém o mudará. A letargia não só habita a concepção do mundo dentro da cabeça de cada um de nós, como contagia o nosso âmago, a própria concepção de nós mesmos. É uma verdadeira pandemia, muito alarmante por sinal.

O zeitgeist (conceito alemão do espírito dos tempos) leva-me a recordar as minhas batalhas contra a depressão. Como é difícil revoltarmo-nos contra nós mesmos quando tudo parece sombrio, quando estamos perdidos e a habitar um corpo que jamais nos pertence. Quando negamos partes da nossa existência, quando não admitimos a nossa doença, quando sentimos que mais nada nos trará alegria de volta, a melhor opção, a mais óbvia e coerente, é desistir. Sinto que muitas pessoas já desistiram e ainda não o sabem. É particularmente perigoso negarmo-nos como seres que pensam, que pertencem a uma classe social, que habitam uma aldeia ou cidade, que trabalham, que partilham espaço e pensamento com outros seres como nós. Tal como nessa terrível condição mental, não é possível voltarmo-nos a ligar com a nossa essência se não procurarmos ajuda, e nos voltarmos a assumir como somos.

Como noutros tempos, a nossa acção colectiva tem potencial para mudar o mundo. Seja para preservar espaços verdes para os nossos filhos, seja por um trabalho em condições dignas, por uma sociedade que nos respeite, não deixe ninguém para trás, enfim, uma sociedade onde a vida boa para todos é possível. A história tem exemplos infindáveis de que é possível tratar esta letargia, esta maleita. Começar uma análise da nossa consciência é essencial, e nessa viagem encontrarmos os nossos companheiros de viagem, outras pessoas despedaçadas pela realidade e que estejam dispostas a revoltarem-se alegre e determinadamente por um lar, uma cidade, um país, por causas que ansiamos. Isso implica percebermos que mesmo que não nos interessemos pela política, a política trata de se interessar em nós. E chega o momento de escolher: deixar que falem por nós, apáticos e retalhados, ou tomarmos as rédeas do nosso destino e desafiarmos este estado das coisas, em que nada parece ser muito verdadeiro ou falso, bom ou mau, cínico ou honesto?

Como nas lutas internas que todos enfrentamos — e nisso a jornada pela preservação da saúde mental ensina-nos valiosas lições — se achamos verdadeiramente que a vida merece ser vivida intensamente, se queremos um futuro melhor para os nossos filhos e filhas, irmãos e irmãs, temos uma única opção: gritarmos ao mundo a nossa vontade de sermos felizes, de chorar e de rir. Pelo caminho certamente iremos reconhecer que todos estes atos são políticos, que somos seres que precisam da política, e que, se quisermos, podemos aspirar a ter boas políticas e boas pessoas na política. Basta escolher estar e ser, na política tal como na vida.